Breve história de um Mouro em um Museu
Uma
família de refugiados chega a uma grande cidade, onde milhares iguais a
eles lutam para obter o suficiente para pagar um cômodo em bairros
marcados pela fome, insalubridade e subemprego.
O
homem jovem tem estudo, mas não tem trabalho, a moça grávida cuida das
três crianças pequenas. Apesar do pouco espaço e recursos os dois
cômodos em que se alojam torna-se lugar de apoio para muitos como eles,
desterrados por lutar para mudar a ordem injusta.
O
grupo de refugiados, suburbanos e desempregados encontra um lugar onde
se reunir e acessar informações para escrever artigos e, principalmente,
seguir com os planos de questionar a ordem vigente e construir uma
forma de sociedade diferente da desigual e opressora que os empurrava à
indigência. Sobre os encontros nesse lugar, escreveu o refugiado:
“nós,
a escória da humanidade, estávamos sentados (…) tentando nos educar e
preparar armas e munição para as batalhas do futuro…. As vezes não
tínhamos o que comer, mas isso não nos impedia de ir ao museu (…) Alí
pelo menos havia cadeiras confortáveis para sentar e ler, e no inverno
havia o aquecimento que não tínhamos em nossa casa, isso quando tínhamos
de fato uma casa ou onde morar” (MARX, 1851 apud GABRIEL, 2013, p. 281)
Na
populosa e insalubre Londres da década de 1850 um museu público fez
grande diferença para a atuação do refugiado de nome de Karl Marx que
também era chamado pelo familiares de Mouro, o Museu Britânico. Quando o
já centenário museu inaugurou uma ampla sala de leitura, em 1857, essa
passou a ser um recurso fundamental, como espaço adequado para pesquisa e
acesso à conhecimentos diversificados e atualizados, para Marx realizar
seu trabalho de estudar e desvelar o modo de produção capitalista.
O
bairro proletário onde a família Marx vivia ficava há 15 minutos de
caminhada do museu. Os Marxs, como muitos outros despossuídos de bens e
recursos, integravam a comunidade territorial vizinha ao primeiro museu
público, secular e gratuito que se tem notícias. Uma instituição
portentosa, criada sob a égide vitoriana, que mantinha um espaço físico e
um acervo dedicado à oferecer condições arquitetônicas dignas e
pluralidade de ofertas à leitura. Nessa sala, sobre a pilha de saberes
acumulados pela ordem econômica que pariu a classe trabalhadora, um
sujeito esfarrapado se debruçou para abalar os alicerces de uma e
fomentar a auto-organização da outra.
A
importância da sala de leitura do Museu Britânico no cotidiano de
trabalho de Karl Marx é apenas um dos muitos exemplos possíveis da
potencialidade concreta que museus, casas de cultura, bibliotecas e
centros culturais agregam à produção de conhecimento pela classe
trabalhadora e para a emancipação da classe trabalhadora.
Sem
incorrer em comparações extemporâneas, penso não ser exagero ver
semelhanças entre estes recursos culturais e logísticos, que deram
impulso ao trabalho de Marx, com o acesso a um computador público e uma
rede gratuita de internet de banda larga nas casas de cultura das
periferias nos dias de hoje. Assim como guardam similitudes nas
possibilidades de convívio com outros sujeitos da mesma comunidade em
busca de acessar e produzir conhecimentos em um ambiente de estímulo ao
livre pensar.
Faço
menção hoje — véspera do Dia Internacional dos Museus — a essa breve
história de um Mouro em um Museu, como singela homenagem aos
trabalhadores e usuários dos museus de todos os tipos, formatos e
propostas, em especial aos que são ocupados como trincheiras na luta por
um mundo em que o conhecimento não seja mais um privilégio, mas sim o
contrário, como escreveu o Mouro
“Os
senhores da terra e do capital sempre usarão seus privilégios na defesa
de seus monopólios econômicos (…) Conquistar o poder político tornou-se
portanto, o grande dever das classes trabalhadoras… Um elemento para o
sucesso elas possuem — são maioria; mas a maioria numérica só pesa na
balança se unificada pelo grupo e conduzida pelo conhecimento” ( MARX,
1864 apud GABRIEL, 2013, p. 417)
Sônia Aparecida Fardin
Campinas, 17 de maio de 2020
(em memória de Augusto Buonicore (1960–2020))
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Pretendo
partilhar aqui algumas reflexões obre o que avalio ser urgente indagar
no que toca aos museus e afins, nesse tempo já inaugurado mas que ainda
não logramos nominar devidamente.
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FONTES
GABRIEL, Mary. Amor e Capital — A saga familiar de Karl Marx e a história de uma revolução. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.


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